quarta-feira, 4 de maio de 2011

Para que o Amor dê Certo (sob a ótica das constelações sistêmicas) - parte II

continuação da parte I - próxima parte III  

A solução
 
A solução de um tal emaranhamento torna-se possível quando a ordem básica é restabelecida, isto é, quando os excluídos voltam a ser acolhidos e respeitados. Neste caso, por exemplo, a segunda mulher deveria dizer à primeira: "Eu tenho este homem às suas custas. Eu honro isto e reconheço que foi feita injustiça a você. Por favor, queira bem a mim e a meus filhos". Desta forma, a primeira mulher é respeitada. Nas constelações familiares, pode-se perceber então como se relaxa o rosto da primeira mulher, como ela se torna amigável pelo fato de ser respeitada. Com isso, é reconhecido o seu direito de pertencer.

A solução exige também que a menina, que imita essa mulher, lhe diga interiormente: "Eu pertenço apenas à minha mãe e ao meu pai. Aquilo que se passou entre vocês adultos não tem nada a ver comigo". Ela diz a seu pai: "Você é meu pai, e eu sou sua filha. Por favor, olhe-me como sua filha". Então o pai não precisa mais ver nela sua ex-mulher, não precisa mais defrontar-se com o ódio ou a tristeza que ela possa ter. Ou, se ele ainda a ama, não precisa ver a criança como sua amante, mas apenas como sua filha. Então a criança pode ser a filha, e o pai pode ser o pai.
A criança precisa também dizer ao pai: "Esta aqui é a minha mãe. Com sua primeira mulher não tenho nada a ver. Eu tomo esta como minha mãe. Esta é para mim a certa". E então ela precisa dizer à mãe: "Com a outra mulher eu nada tenho a ver". De outra forma, essa criança se tornará uma rival da mãe, e não poderá ser filha. Talvez a mãe veja nela inconscientemente a outra mulher, e então mãe e filha entram em conflito como se fossem duas amantes rivais. Mas quando a criança diz: "Você é minha mãe e eu sou sua filha, com a outra não tenho nada a ver. Eu tomo você como minha mãe", então a ordem é restabelecida.

Existem contudo emaranhamentos bem mais complicados. Quando, por exemplo, numa família, um filho morre prematuramente, os filhos sobreviventes carregam muitas vezes um sentimento de culpa pelo fato de estarem vivos, enquanto seu irmão está morto. Acreditam que, por estarem vivos, possuem uma vantagem sobre o irmão falecido. Então eles querem compensar isto, por exemplo, deixando-se ficar mal, adoecendo ou mesmo desejando morrer, sem que saibam por quê.

Aqui pertence à ordem do amor que eles digam interiormente ao irmão morto: "Você é meu irmão (minha irmã). Eu respeito você como meu irmão (minha irmã). Você tem um lugar em meu coração. Eu me curvo diante do seu destino, da forma como lhe aconteceu, e digo sim ao meu destino, da forma como me foi determinado". Então a criança morta é respeitada, e a outra pode permanecer viva sem sentimento de culpa.

A imagem mágica do mundo e suas conseqüências
Por trás da necessidade de compensação, que faz adoecer, atua uma fantasia mágica, a saber, que eu posso salvar uma outra pessoa de seu pesado destino, desde que eu tome também algo de pesado sobre mim. É o caso da criança que diz à mãe gravemente doente: "Antes eu adoeça do que você. Antes morra eu do que você". Ou ainda, quando a mãe quer abandonar a vida, um filho se suicida, para que a mãe possa ficar viva.

Um exemplo disto é a magreza compulsiva. O anoréxico vai se tornando cada vez menor, desaparece, por assim dizer, até a morte. Em sua alma, essa criança diz a seu pai ou a sua mãe: "Antes desapareça eu do que você". Aqui atua um amor profundo. Mas quando a criança morre, qual é o efeito desse amor? Ele é totalmente inútil.

Quando trabalho com uma pessoa com essa compulsão, faço que olhe nos olhos de seu pai ou de sua mãe e diga: "Antes desapareça eu do que você". Quando ela os encara nos olhos a ponto de realmente os ver, ela não consegue mais dizer essa frase, porque percebe que o pai ou a mãe não aceitará isto dela. É que o amor mágico desconhece o fato de que também a outra pessoa ama e que ela recusaria isto, independentemente da inutilidade de tal amor.

Quando a mãe morre no nascimento de uma criança, é muito difícil para essa criança tomar a sua vida. Ela precisaria encarar a mãe nos olhos e dizer: "Mamãe, mesmo por este alto custo eu tomo esta vida e faço algo de bom com ela, em sua memória. Você precisa saber que não foi em vão". Isto é amor, num nível mais elevado. Ele exige o abandono da fantasia mágica de poder interferir no destino de outra pessoa e mudá-lo. Ele exige a passagem de um amor que faz adoecer para um amor que cura.

A fantasia do amor mágico está associada a uma presunção, a um sentimento de poder e superioridade. A criança realmente acha que, através de sua doença e de sua morte, pode salvar da morte outra pessoa. Renunciar a essa idéia só é possível pela humildade.

Até aqui falei da ordem do amor na relação entre filhos e pais.

Homens e Mulheres

Quero também dizer mais alguma coisa sobre a ordem do amor na relação do casal. Este tema nos fala mais de perto. Muitos se envergonham disso, como se fosse algo que a gente deveria ocultar. Aquilo que diferencia os homens das mulheres, que realmente os diferencia, é escondido. Ou, pode-se dizer também, é protegido. Pois é o lugar onde cada um é mais vulnerável. É o lugar próprio da vergonha. Vergonha significa, neste contexto, que eu guardo alguma coisa, para que nada de mau aconteça. E é o lugar onde nos sentimos mais entregues.

Alguns falam depreciativamenteatua por detrás desse instinto.

A ordem do amor entre homem e mulher exige portanto, em primeiro lugar, que o homem admita que lhe falta a mulher, e que ele, por si só, jamais poderá alcançar o que uma mulher tem. E exige igualmente que a mulher admita que lhe falta o homem, e que ela, por si só, jamais poderá alcançar o que o homem tem. Então ambos se experimentam como incompletos e admitem isto.

Quando o homem admite que precisa da mulher e que só através dela se torna um homem, e quando a mulher admite que precisa do homem e só através dele se torna uma mulher, então essa carência os liga um ao outro, justamente pelo fato de a admitirem. Então o homem recebe o feminino como presente da mulher, e a mulher recebe o masculino como presente do homem.

Imaginem agora um homem que desenvolve em si o feminino e uma mulher que desenvolve em si o masculino, como muitos consideram ideal. Se esse homem quiser se ligar a essa mulher, qual será a profundidade dessa relação? No fundo, eles não precisam um do outro. Inversamente, quando o homem renuncia ao feminino e a mulher ao masculino, então eles precisam um do outro e isto os mantém juntos.

O vínculo

Quando o homem e a mulher se aceitam mutuamente como tais, a consumação de seu amor cria um vínculo. Esse vinculo é indissolúvel. Isto nada tem a ver com a doutrina moral da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimônio. A realização do amor cria uma ligação, independentemente do casamento e de qualquer rito externo.

A existência de uma tal ligação é percebida pelos seus efeitos. Por exemplo, o homem que se separa levianamente de uma parceira a quem estava vinculado dessa forma pela consumação do amor, via de regra não conseguirá conservar uma segunda parceira num outro relacionamento. Pois esta percebe o seu vínculo com a parceira anterior, e não ousa tomá-lo plenamente. Quando um homem abandona uma mulher e se casa de novo, talvez sua segunda mulher se considere melhor que a primeira e diga: "Agora eu o tenho para mim". Ela entretanto o perderá. Nesse próprio triunfo o perde, pois reconhece o vínculo desse homem com a sua primeira mulher.

Então ela não o assumirá completamente. Nas constelações familiares, pode-se perceber que uma segunda mulher se distancia um pouco do homem. Ela não ousa colocar-se perto dele, pelo fato de não ser sua primeira ligação, mas a segunda.
A profundidade de um tal vínculo pode ser avaliada pelo seu efeito. A separação do primeiro amor é a mais difícil de se conseguir. É a mais dolorosa. Quando uma segunda ligação se desfaz, a dor é menor. Numa terceira, é ainda menor.

Essa ligação não é porém sinônimo de amor. O amor pode ser pequeno e o vínculo profundo. Inversamente, o amor pode ser profundo e a ligação pequena. O vínculo se origina do ato sexual. Por isto, ele também nasce de um incesto ou de um estupro. Para que mais tarde uma nova ligação seja possível, é preciso que a primeira seja corretamente resolvida. Ela é resolvida quando é reconhecida e quando é honrado o respectivo parceiro. Quem amaldiçoa o primeiro vínculo impede uma ligação posterior.

Continua no post parte 

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